segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Para os que gostam de soldados.

EREÇÃO PÓSTUMA


Depois de passar com louvor no concurso para soldado da polícia militar, foi mandado para treinamento na capital. Rapaz alto, bonito, pinta de galã da Globo, não tardou a provocar furor entre as meninas. Em pouco tempo, descobriu que os costumes da cidade grande eram bem diferentes aos de sua pacata Miraí do Norte.
As coisas eram mais simples e diretas: festinhas, barzinhos, bebericos e, sobretudo, muita ação. Ficava intrigado, porque o “ficar com as meninas” ainda não tinha chegado a Miraí. Gostava de comentar que do “ficar” à cama era mais rápido e fácil que comprar fósforos na esquina.
O recruta não perdia tempo. Numa dessas, após rápidas preliminares, já por cima, com os movimentos rítmicos de praxe, a menina sentiu que o galã começou a tremer e pensou:”Mas, já? Que apressadinho!” Em seguida, sentiu-o bem mais pesado, imóvel, sem respiração, rosto emborcado no travesseiro. Fez um movimento ondulatório com as cadeiras querendo continuar a brincadeira. Nada. Fincou, com suavidade, as unhas em suas costas. Nada. Falou baixinho; “vamos amor, terminar?” E nada. Com as duas mãos, tentou levantar os ombros dele e o peso não deixou. Começou a ficar apavorada e a custo conseguiu sair de baixo de namorado. Virou-o com grande dificuldade para tentar reanimá-lo e viu, com espanto, que o bilau do garanhão continuava em posição de sentido, como um dedo em riste, acusatório.
O corpo do soldado foi levado para a medicina legal, como um herói morto em batalha, e todos comentavam o fenômeno do bilau ereto. O médico-legista e o agente funerário optaram, por pura solidariedade entre machos, não tocar em nada do corpo que provocasse um descansar armas. Um rabecão levou o militar para ser enterrado em sua cidade.
No velório, com muito choro e lamento, comentários e piadas masculinas sobre a causa mortis, a mãe resolve trocar as flores que o estavam cobrindo no esquife. O soldado que dirigira o rabecão, trazendo o corpo, se interpôs entre o caixão e a mulher:
- As flores de um militar não podem ser trocadas, por questão de honra.
O sargento que comandava o destacamento da cidade, presenciando o ato, o chama, ríspido:
- Você está louco! Vai lá, pede desculpas à mãe do morto e ajude a trocar as flores!
- Não posso, sargento, senão vai ser uma tragédia!
O sargento, vermelho de raiva, vocifera:
- Explica rapidinho isto de tragédia, senão, mando prendê-lo.
O motorista do rabecão, embaraçado e gaguejando, disse que, como a estrada de terra era muito sinuosa, esburacada e sacudia muito, resolveu, antes de entrar na cidade, abrir o caixão para ver como estava o corpo e constatou que o pessoal da funerária só tinha vestido o defunto com uma camisa do uniforme, estando nú da cintura para baixo. E completou.
- Rearrumei as flores para esconder o desastre.
O sargento, diante dos fatos, chegou junto à mãe chorosa.
- A Senhora me desculpe mas, estas flores são um símbolo da corporação a que seu filho tão valentemente serviu.
O cortejo fúnebre seguiu a pé até o cemitério. No meio do caminho, o caixão começa a ranger e o sargento, com muito medo, recomenda cautela a seus comandados e vai para o fim do cortejo. As beatas, à frente, começam a cantar: Avê! Avê!Avê Maria. Avê! Avê! Avê Maria... e o ruído, para alívio do sargento, é abafado pelo cântico.
Após as despedidas de praxe, os coveiros colocaram cordas nas alças do caixão para baixá-lo à sepultura. Ao descer, o esquife começou a ranger mais forte e, de repente, o fundo despregou-se, deixando o corpo cair no chão da campa.
Os presentes soltaram um grito de espanto e os coveiros retiraram rapidamente o que sobrou do caixão. Todos os que podiam se acotovelavam em volta da tumba para ver o acontecido e, lá embaixo, jazia o herói. Arranjos de flores desfeitos se esparramavam em volta do corpo e o bilau apontava para todos, acusatório.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Olha só o que a internet faz

DUAS TENTATIVAS E UMA DESISTÊNCIA

- Vanda, como é? Vem logo, Senão o efeito do remédio acaba.
- Pam, pam, pam, pam. Que tal?
- Que é isso, Vanda?
- Você não adora equitação? Hoje quem vai montar sou eu.
- Que ridículo, meu Deus. Você não vai querer subir na cama com estas botas e esporas, Vai?
- Claro, benzinho.
- Pronto, brochei. Pode tirar isso aí. Vê se pode, pelada de chapéu e botas. Que coisa grotesca.
- Grotesco é você se masturbando em frente ao computador. Pensa que não vi? Depois fica nessa brochura toda.
- O seu mal é a imaginação, Vanda. Vê coisas que nunca existiram.
- Tá bom, não vamos brigar de novo. Que tal a gente alugar um daqueles filmezinhos pornô? Lembra um que passou em tudo quanto era cinema? Disseram que era cult. A mulherada toda viu. Fiquei curiosa, mas não tive coragem de assistir.
- Filme pornô e, ainda por cima cult? Vanda, Vanda, olha lá o que você vai aprontar.
No dia seguinte.
- Altamiro, sur-pre-si-nha.
- Quimono, Vanda? Vai me dizer que você quer transar com toda essa roupa e, ainda por cima, com esse rosto todo besuntado de branco?
- Quem foi que disse que nós vamos fazer agora?
- O quê?
- Primeiro nós vamos assistir aquele filme que te falei ontem, depois faço um striptease, à japonesa, bem excitante.
- Filme? Que filme?
- Não se preocupe. Deve ser bem melhor que aquelas porcarias que você vê no computador, só pra se masturbar.
- De novo com essa história, Vanda.
- Venha, senta aqui, vai começar.
- Pera aí. Como você arrumou este dvd?
- Aluguei, oras.
- Alugou? Alugou como?
- Ué, na loja.
- Vai me dizer que... Vanda, como vou aparecer lá, agora?
- Não se preocupe, pedi reservadamente àquela moça e ela foi muito compreensiva.
- Reservadamente, Vanda. Sabe de uma coisa? Preciso acabar uma planilha no micro.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Prosa poética

A SOLIDÃO DA MORTE

Atravesso o corredor branco. Fantasmas voam erráticos.
Corpos encarquilhados em cadeiras de rodas. Carnes, murchas de desejos e sensações, a espera do nada.
Abro uma porta e a vejo. Um fio de vida ligado a um balão. O olhar se desvia do meu, vira o rosto e as pálpebras se fecham para o mundo.
Fecho a porta vagarosamente e saio, quase sem pisar, com a certeza de estar profanando um cemitério de elefantes.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

É de lascar

NO CONGESTIONAMENTO


- Dispensa o pessoal, Almeida. Devo atrasar mais de três horas, não vai dar tempo Uma carreta atravessou na estrada, em seguida houve seis engavetamentos. Dizem que há três mortos e não sei quantos feridos O negócio é deixar pra amanhã. Mas que todos estejam presentes às oito em ponto.Volto pra Belo Horizonte antes do almoço. Tenho uma reunião no fim da tarde. Qualquer coisa me ligue.
- Água, água, coca, quaraná. Tá acabando, gente. Vai demorar.
- Biscoito de polvilho, rosquinha de coco. Uma delícia. Quem vai, quem vai.
- Vamo sartá fora, povo. Peidaram no ônibus.
- Que cara grosso.
- Falei procê descer o morrinho e ir atrás daquelas moitas. Que vergonha
- Pára de falar. Descer aquela ribanceira? Nem morta. E esse ônibus nem banheiro tem.
- Alô, Rose. Não volto amanhã cedo, devo dormir em Monlevade e fazer a reunião pela manhã. Desmarque todos os compromissos.
- Liga a sirene.
- Mas Coronel, não vamos conseguir passar. As pistas e o acostamento estão ocupados. Está tudo um melê só.
- Se vira. Dá dois tiros pro alto que a turma dá um jeito de abrir passagem.
- Ali, olha. Debaixo do caminhão, atrás da roda. Não tem ninguém vendo.
- Não dá.
- Dá sim. Se agacha bem.
- Ai, não tô agüentando mais. Acho que vou fazer embaixo do caminhão mesmo.
- Vai de biscoito de polvilho, Doutor?
- Sim, dá pra entregar a carga amanhã à tarde. Vou desligar, tem uma sirene ligada atrás de mim.
- Que é isso, Dona. O que a senhora tá fazendo aí debaixo? De repente arranco com o caminhão e beleleu.... não , não chore, pode acabar sossegada. Tô indo lá pra frente.
- Mas é verdade, amor. Esses congestionamentos me dão um bruta tesão.
- Você está louca. Tem gente passando direto aí do lado.
- Fecha o vidro, a película não deixa ver aqui dentro. Olha como estou molhadinha.
- Você é doida mesmo. Vem cá.
- Vai de rosquinha, moço? Suco?
- Menino, cuidado. Vai mijar ali no mato.
- Tudo sua culpa, pão duro. Falei pra comprar passagem em ônibus com banheiro.
- Também come demais. Devorar três pastéis e dois copos de garapa de uma vezada. Viu no que deu?
- A lá, o da farda desistiu. Achou que sirene fazia carro levantar vôo.
- Ai, ai ,ai, mais, mais. Não tira, não tira, ai, ai, aiiiii...
- Vamos gente, liberou geral. Vão simbora.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Para quem gosta de passarinho

PARDAIS


Era o São Francisco da praça. Venham a mim os pardais, era o seu lema. Todos os dias ele fazia a caminhada matinal, lançando farelo de milho pros bichos que o acompanhavam em revoada, disputando espaço entre os caminhantes e corredores.
Parece que ele marcava hora com os passarinhos. Eles iam chegando aos poucos, aguardando a ração diária. Cada dia a era maior o número de bicos famintos.
Esse São Francisco estava me incomodando. Pra mim, pardal é rato de asas. Além de agüentar a cachorrada de madame sujando tudo em volta e deixando aquele cheiro, agora tinha que aturar essa raça de piolhentos. Eu adoro a natureza, mas só quando aparece em retratos ou pela tv.
Não sou hipócrita, daqueles que só defendem a Amazônia na mesa de bar, que ficam falando de efeito estufa, reciclagem e coisas gênero, mas adoram queimar gasolina e ir as compras nos shoppings da cidade. Fico doido pra ver essa gente ser levada por um tsunami ou pegar uma virose incurável, pra eles verem o que é a natureza. Sou assim mesmo, adoro a segurança de meu apartamento, tudo sempre muito limpo, higienizado e detetizado três vezes por ano. Planta em casa, só se for de plástico.
Sou muito cioso da minha saúde, vou sempre ao médico, tomo todos os remédios, religiosamente, mas não gosto desse negócio de ginástica, esporte ou algo semelhante. Só comecei a andar na praça, porque levei o maior cartão vermelho na última consulta, era exercício ou enfarte. Gosto de tudo dentro dos horários, de uma boa rotina. Não sei o que seria de mim sem o relógio. Foi dificílimo organizar minha agenda para acomodar mais essa tarefa idiota de dar voltinhas pela praça.
E chega aquele cara pra me tirar do sério. Vê se pode? O pior foi o pesadelo que eu tive com o dito cujo. No início foi até bom, sonhei que estava esganando o amigo dos piolhentos. Mas de repente começou a sair da boca do indivíduo uma montoeira de pardais, e os bichos foram saindo, pousando em tudo quanto era lugar e ocupando todos os espaços. Tinha pardal debaixo da cama, dentro do armário, debaixo do travesseiro, dos lençóis, e foram se imiscuindo pra dentro do meu pijama. Acordei ensopado de suor e tive de tomar três banhos pra tirar a morrinha dos pestilentos.
Depois disto, vi que tinha que tomar uma atitude radical, não havia outro jeito. Mudei meu horário de andar.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Coisas poéticas

A MORTE EM TRÊS TEMPOS


I

Anti-soneto do fim

De repente o silencioso branco nos cabelos e na lembrança.
O corpo vazio em desejos. Pleno em desvarios.
Os pés que temem o passo em direção ao nada, se arrastam ao abismo do passado.
De repente não mais que de repente só na multidão de ausentes.
Felicidade veste silêncio, riso lamento.
De repente sangram todos os sonhos. A vida se esvai com as quimeras.
De repente não mais que de repente.





II

Mão em tua mão. Boca em tua boca. Sexo em teu sexo.
Sei de ti?
Brigas sem bridas. Sexo sem nexo. Vidas sem vida
Sei de ti?
Gelo nas mãos. Branco no rosto. Flores no corpo.
Nunca soube de ti.



III


Chilapt chuin, chilapt chuin, chilapt chuin
E foi-se o bichin, ceifado pela foice

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Uma pequena crônica

HAPPY HOUR



Estavam todos, como há muito faziam, na varanda do bar do clube. Era o papo alegre e descompromissado dos fins de tarde das sextas.
Um deles olhou para uma das quadras de peteca e lembrou-se do colega.
- E o Gil? Temos que ver como ele está.
- É mesmo, não seria bom telefonar pra ele vir tomar uma com a gente? Afinal, a mulher morreu, mas ele continua vivo.
- Não sei. Tem só uma semana da morte.
- Bobagem, tem aí o telefone dele?
- Alô? Gil? Umberto. Estamos no bar. Dá um chego aqui. Estamos todos te esperando.
- Adivinhe onde estou?
- Sei lá. Em casa?
- Estou vendo vocês todos daqui.
O colega percorreu o clube com os olhos, virou-se, mirou a porta.
- Seu filho de uma puta.
Esta reação fez com que todos olhassem na mesma direção e quase que simultaneamente eles se levantaram e foram em direção à porta. Alguns deles o receberam com abraços esfuziantes, movidos pelos primeiros efeitos do álcool, outros constrangidos, sem saber se dariam os pêsames ou se assumiriam a alegria dos encontros, limitavam-se a um tapinha nas costas seguidos do “que bom te ver”. Logo, porém, relaxaram, ao sentirem a alegria e leveza do colega.
Rodada geral de chope. Tinham que brindar. Mas o quê? Um deles, solteirão incorrigível, animado pelo álcool, levantou o caneco: ao novo membro da confraria dos livres e desimpedidos. Surpresa geral. Todos os olhos convergem para o viúvo recente. Silêncio. Gil olha para todos levanta o caneco e grita: viva a alegria, viva a liberdade. Maior surpresa ainda.
Um deles rompe o silêncio e grita: urra. Um alívio toma conta de todos, que gritam quase em uníssono: urra! Viva a liberdade! Era a senha necessária para que as águas voltassem, normais, a seu leito.
O papo continuou sobre assuntos que habitualmente conversavam, até que chegaram ao tema preferido pela turma: mulher.
Os olhos convergiram novamente para Gil que, ao sentir que era o centro das atenções, levanta-se para falar.
- Gente, gente. Quando estava vindo para cá, tive uma idéia maluca. Agora quero me tornar o bom samaritano.
- Pára com isso Gil. Bom samaritano?
- Calma, explico. Não é nada disso que vocês estão pensando. Vou me dedicar às mulheres mal amadas.
- Porra, Gil! Mulheres mal amadas? Em geral são umas chatas, - retrucou o solteirão empedernido.
- Que é isso! Boa idéia Gil! Com pouco carinho, elas ficam de quatro, disse o mais experiente.
- De quatro? É uma boa posição. Vocês já experimentaram? aconselhou o sexólogo da turma.
- Deixa eu terminar, gritou Gil. Acho, realmente, que as mal amadas são as mais fáceis de se cantar, mas o bicho é reconhecê-las na multidão daquelas que possam me interessar. Pra isto é que eu preciso da ajuda de vocês. Quero estabelecer critérios.
- Qual é Gil? Você é PhD nisso.
Todos os olhos se voltaram para o autor da frase e depois para o viúvo, um silêncio constrangedor se estabelece até que a angústia é rompida por uma chamada:
- Pô, gente, vamos embora, está quase na hora do jogo do galo.

Compre meu livro ou faça comentários se já o leu

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Um novo texto do livro

Se vocês quizerem compra meu livro, favor me dizer pelo e-mail: aaugus.gomes.com podem degustar mais um texto:

O PEIXINHO
Era uma vez um peixinho dourado.
Vivia num aquário com a família. Tudo lá era de plástico. Um escafandrista de plástico, um bauzinho e areia de plástico, pedrinhas e algas de plástico, um cavalinho marinho de plástico. Tinha também uma bombinha de plástico que fazia glu-glu o tempo inteiro.
Certo dia o peixinho perguntou ao pai por que também eles não eram de plástico. O pai pensou, pensou e respondeu: “Porque nós temos vida”. O peixinho não ficou satisfeito, e emendou outra pergunta: “O que é vida, papai?”
O pai do peixinho ficou embaraçado. Como explicar o que era vida. Ele nunca tinha feito a si mesmo semelhante pergunta, e foi honesto:”Papai ainda não sabe, mas vai pensar e depois, se achar uma resposta, te explico”.
O pai do peixinho passou o resto do dia triste, escondido atrás de umas pedrinhas de plástico. O peixinho, vendo o pai daquele jeito, pensou:”Acho que esse negócio de vida deve ser uma coisa muito séria”.
Depois de passar a noite acordado pensando, o pai do peixinho o chamou e disse: “Vou te contar uma história que define o que é vida. “Foi meu pai quem me contou, que ouviu do seu bisavô, que ouviu do seu trisavô, que ouviu do seu tetravô, que antes de viver num aquário igual a este, nasceu e cresceu num rio”.
- Um rio, papai? O que é isso?
- Eu nunca vi, meu filho, mas vou descrever o que meu pai me contou. Rio é um aquário gigante, sem fim, você pode nadar pra todo lado. Sua liberdade é infinita. Lá nada é de plástico. Existem peixes de todo tamanho, bichos feios, bonitos, grandes, pequenos, que nadam, comem, têm filhos, avós, bisavós, iguais à gente. As algas crescem , se multiplicam e morrem. As pedras servem para os peixinhos iguais a nós se esconderem de outros grandes que podem nos comer.
- Nos comer, papai?
- A vida é assim, meu filho. Lá há liberdade, mas corremos perigo e temos de nos proteger.
- Mas ter liberdade, ver tanta coisa bonita e diferente deve valer a pena. Então aqui nós não temos vida, papai.
- - De certo modo temos e, de outro, não.
- Que complicado, papai. Pode dizer que não temos.
O peixinho dourado começou a sonhar com o rio, com a liberdade, com outros animais, até que um dia ele juntou todas as forças que tinha e pulou para fora do aquário, na esperança de encontrar a vida.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Um texto do livro para degustação

A SUCURI PROVIDENCIAL
“A mata não está pra cobra – refletiu a sucuri – ,todos os meus manjares desapareceram. Quando penso naqueles veados campeiros, naquelas pacas, me dá água na boca. Até os tenros bezerrinhos sumiram dos pastos. Vou ter que apelar. Vou pra cidade. Não gosto do bicho-homem mas, como dizem que lá sobra essa coisa, o jeito é me mandar.”
Com esta determinação toda, a sucuri se aboletou debaixo da lona da camionete de um fazendeiro e esperou a partida.
A viagem foi longa e cansativa. Bateu fome na coitada. Assim, quando chegaram na garagem do prédio do fazendeiro, ela não pensou duas vezes, almoçou o dito cujo e foi jiboiar na carroceria da camionete.
O desaparecimento do homem foi um mistério para todos e uma solução para a viúva. Estava cansada de ficar no seco durante as invernadas do marido no campo. Logo arrumou consolo.
Entretanto, a sua nova paixão estava apresentando, cada dia mais, os mesmos defeitos do deglutido. Quando quis conhecer a fazenda do morto, ela desconversou, mas, depois de uma noitada de amor, deu a chave da camionete para o amado.
Na despedida, ficou surpresa ao ver a sucuri abraçar o namorado. Ligou o fato ao sumiço do marido, achou providencial o aparecimento da sucuri e subiu pra casa feliz.
Dali para frente, quando achava algum namorado muito chato, uma visita desagradável, um cobrador insistente, os levava para conhecer a cobra.
Certo dia, a comadre do andar de baixo se queixou das ausências do marido. Ela morreu de pena da amiga. Logo o prédio tinha mais um morador na lista dos desaparecidos.
Seguindo a lei geral dos segredos bem guardados, em pouco tempo, todos do prédio faziam uso dos serviços da cobra.
Um dos residentes do edifício, que militava nas hostes da ONG Todos pela Moralidade Nacional, exigiu do síndico uma assembléia urgente dos condôminos. Queria discutir um emprego mais nobre para as habilidades da sucuri.
Na reunião, disse da falta de moral, de ética e da corrupção desenfreada que grassava em Brasília. Todos estavam indignados e achavam que alguma coisa
precisava ser feita.
Na hora de decidirem enviar a cobra para Brasília, todos se calaram e optou-se por fazer uma votação secreta. O resultado foi de dez a um pela permanência da sucuri.
No dia seguinte, a cobra apareceu jiboiando na porta do apartamento do dissidente.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Mini conto do livro Clique Realidade

AO PONTO

- Passa a salada?
- Bem que podíamos tirar uns dias em Búzios. Reviver aqueles tempos.
- O azeite.
- Se lembra? Praia do João Fernandes. Os peixinhos coloridos comendo na nossa mão. Parecia que o mundo tinha sido feito só pra nós dois.
- Cadê a lingüiça desse tropeiro?
- Era difícil chegar. Pra nós, tudo era aventura. Estávamos sempre dispostos. Tudo tão bom.
- Esse arroz saiu meio papa.
- A rua das Pedras só tinha umas três lojas e a lanchonete do Neco. A gente almoçava e jantava sanduíche. Sabe querido? O amor alimenta.
- Deixa ver aí, esses bifes.
- Gil, me diz, você ainda me ama?
- Poxa mulher, até hoje você não descobriu que eu gosto da carne ao ponto.