terça-feira, 18 de agosto de 2009

Prosa poética

A SOLIDÃO DA MORTE

Atravesso o corredor branco. Fantasmas voam erráticos.
Corpos encarquilhados em cadeiras de rodas. Carnes, murchas de desejos e sensações, a espera do nada.
Abro uma porta e a vejo. Um fio de vida ligado a um balão. O olhar se desvia do meu, vira o rosto e as pálpebras se fecham para o mundo.
Fecho a porta vagarosamente e saio, quase sem pisar, com a certeza de estar profanando um cemitério de elefantes.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

É de lascar

NO CONGESTIONAMENTO


- Dispensa o pessoal, Almeida. Devo atrasar mais de três horas, não vai dar tempo Uma carreta atravessou na estrada, em seguida houve seis engavetamentos. Dizem que há três mortos e não sei quantos feridos O negócio é deixar pra amanhã. Mas que todos estejam presentes às oito em ponto.Volto pra Belo Horizonte antes do almoço. Tenho uma reunião no fim da tarde. Qualquer coisa me ligue.
- Água, água, coca, quaraná. Tá acabando, gente. Vai demorar.
- Biscoito de polvilho, rosquinha de coco. Uma delícia. Quem vai, quem vai.
- Vamo sartá fora, povo. Peidaram no ônibus.
- Que cara grosso.
- Falei procê descer o morrinho e ir atrás daquelas moitas. Que vergonha
- Pára de falar. Descer aquela ribanceira? Nem morta. E esse ônibus nem banheiro tem.
- Alô, Rose. Não volto amanhã cedo, devo dormir em Monlevade e fazer a reunião pela manhã. Desmarque todos os compromissos.
- Liga a sirene.
- Mas Coronel, não vamos conseguir passar. As pistas e o acostamento estão ocupados. Está tudo um melê só.
- Se vira. Dá dois tiros pro alto que a turma dá um jeito de abrir passagem.
- Ali, olha. Debaixo do caminhão, atrás da roda. Não tem ninguém vendo.
- Não dá.
- Dá sim. Se agacha bem.
- Ai, não tô agüentando mais. Acho que vou fazer embaixo do caminhão mesmo.
- Vai de biscoito de polvilho, Doutor?
- Sim, dá pra entregar a carga amanhã à tarde. Vou desligar, tem uma sirene ligada atrás de mim.
- Que é isso, Dona. O que a senhora tá fazendo aí debaixo? De repente arranco com o caminhão e beleleu.... não , não chore, pode acabar sossegada. Tô indo lá pra frente.
- Mas é verdade, amor. Esses congestionamentos me dão um bruta tesão.
- Você está louca. Tem gente passando direto aí do lado.
- Fecha o vidro, a película não deixa ver aqui dentro. Olha como estou molhadinha.
- Você é doida mesmo. Vem cá.
- Vai de rosquinha, moço? Suco?
- Menino, cuidado. Vai mijar ali no mato.
- Tudo sua culpa, pão duro. Falei pra comprar passagem em ônibus com banheiro.
- Também come demais. Devorar três pastéis e dois copos de garapa de uma vezada. Viu no que deu?
- A lá, o da farda desistiu. Achou que sirene fazia carro levantar vôo.
- Ai, ai ,ai, mais, mais. Não tira, não tira, ai, ai, aiiiii...
- Vamos gente, liberou geral. Vão simbora.