terça-feira, 6 de julho de 2010

Um poeminha romântico

Sabiá da minha terra

minha terra tem neblina
fria
triste
a tudo cobre

tem montanhas
bichos
mata
a tudo esconde

tem rios
água
lama
a tudo invade

minha terra é sabiá
canta
puro
a tudo salva

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Vamos gente, me ajude. Se ler, comente.

A MOÇA DA MOTO


A moto parou do meu lado no sinal de trânsito. Olhei instintivamente, era uma moça. Capacete rosa e branco, os cabelos negros em cachos desciam pelos ombros, Calça jeans desbotada, um tênis desses de lona e sola fina, meia cano curto. Dois faróis acesos e empinados sob um moletom branco. Uma pequena mochila nas costas dizia a idade e aquele modo delicado de sentar e segurar o guidão mostrava ser uma fêmea á procura de seu homem.
Para resumir: me parecia uma gostosura só.
Fiquei imaginando que esse negócio de moça em moto era bastante sensual. Seria o próximo fetiche para meus sonhos eróticos. E comecei a fantasiar: ela peladinha sobre a moto, cabelos esvoaçantes, a duzentos por hora vindo ao meu encontro para me dar garupa.
Estava absorto nesses pensamentos quando ela partiu rápido. Em seguida, sem ter sequer engrenado a primeira para arrancar, ouço um barulho de freios, um estrondo de batida e uma caminhonete atravessada rente ao meu pára-choque. A moto caída um pouco mais à frente e a moça deitada no asfalto a uns dois metros da moto.
Fiz um gesto de abrir a porta para socorrê-la, mas parei no meio caminho, olhei para os lados e à frente e vi que havia uma brecha para sair rápido, antes que um congestionamento me impedisse.
Refeito do susto, e já dirigindo normalmente no fluxo dos veículos, me dei conta de como eu era pusilânime, senti nojo de mim, uma puta culpa, essa coisa judaico-cristã. Tinha que ter ficado para socorrê-la, chamar a polícia, dar meu nome como testemunha, dizer que a caminhonete tinha atravessado o sinal vermelho. Sei lá, tinha que ser, antes de mais nada, solidário.
Mas continuei a seguir o script de homem pós-moderno, liguei o rádio numa emissora de música pasteurizada, dessas de consultório psiquiátrico e dei aquela racionalizada básica: “Também esses motoqueiros são muito imprudentes, ela já devia saber que tem sempre um apressadinho querendo aproveitar o restinho de sinal amarelo. Já deve ter aparecido pelo menos uma Madre Tereza aproveitando a oportunidade de mostrar serviço ao Criador.”.
Pronto, a avenida estava aberta para que minha consciência trafegasse solta e tranquila. Eu adoro me enganar. Pensei no serviço, ia dar um esculacho na secretária para me aliviar, mulherzinha puxa-saco.
Mas, quem foi que disse que minha avenida da consciência estava livre de congestionamentos? A figura que me veio a cabeça me dando uma cafezinho não era a da secretária. Adivinhem quem era?
Tentei pensar noutra coisa, me divorciei da mulher, chutei aquela pestinha de cachorro, cheguei até a esganar meu diretor para ver se sentia algum alívio. E aquela imagem continuava rindo, simpática para mim: “Doutor o diretor lhe procurou cedo, mas não se preocupe, falei que o senhor já tinha saído pra fazer um contato.” Isto é o que eu chamo de eficiência, saber dar a desculpa certa na hora adequada, só mesmo na minha cuca.
De repente senti alguém ao meu lado, minhas mãos começaram a suar, e deslizavam pelo volante, acelerei fundo. E ela sussurrou ao meu ouvido: “Vamos querido mais rápido, mais rápido.”. O resto nem precisava dizer: Três meses curando fraturas e seis no hospital psiquiátrico... Isto, até a minha próxima fixação.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Para os que gostam de soldados.

EREÇÃO PÓSTUMA


Depois de passar com louvor no concurso para soldado da polícia militar, foi mandado para treinamento na capital. Rapaz alto, bonito, pinta de galã da Globo, não tardou a provocar furor entre as meninas. Em pouco tempo, descobriu que os costumes da cidade grande eram bem diferentes aos de sua pacata Miraí do Norte.
As coisas eram mais simples e diretas: festinhas, barzinhos, bebericos e, sobretudo, muita ação. Ficava intrigado, porque o “ficar com as meninas” ainda não tinha chegado a Miraí. Gostava de comentar que do “ficar” à cama era mais rápido e fácil que comprar fósforos na esquina.
O recruta não perdia tempo. Numa dessas, após rápidas preliminares, já por cima, com os movimentos rítmicos de praxe, a menina sentiu que o galã começou a tremer e pensou:”Mas, já? Que apressadinho!” Em seguida, sentiu-o bem mais pesado, imóvel, sem respiração, rosto emborcado no travesseiro. Fez um movimento ondulatório com as cadeiras querendo continuar a brincadeira. Nada. Fincou, com suavidade, as unhas em suas costas. Nada. Falou baixinho; “vamos amor, terminar?” E nada. Com as duas mãos, tentou levantar os ombros dele e o peso não deixou. Começou a ficar apavorada e a custo conseguiu sair de baixo de namorado. Virou-o com grande dificuldade para tentar reanimá-lo e viu, com espanto, que o bilau do garanhão continuava em posição de sentido, como um dedo em riste, acusatório.
O corpo do soldado foi levado para a medicina legal, como um herói morto em batalha, e todos comentavam o fenômeno do bilau ereto. O médico-legista e o agente funerário optaram, por pura solidariedade entre machos, não tocar em nada do corpo que provocasse um descansar armas. Um rabecão levou o militar para ser enterrado em sua cidade.
No velório, com muito choro e lamento, comentários e piadas masculinas sobre a causa mortis, a mãe resolve trocar as flores que o estavam cobrindo no esquife. O soldado que dirigira o rabecão, trazendo o corpo, se interpôs entre o caixão e a mulher:
- As flores de um militar não podem ser trocadas, por questão de honra.
O sargento que comandava o destacamento da cidade, presenciando o ato, o chama, ríspido:
- Você está louco! Vai lá, pede desculpas à mãe do morto e ajude a trocar as flores!
- Não posso, sargento, senão vai ser uma tragédia!
O sargento, vermelho de raiva, vocifera:
- Explica rapidinho isto de tragédia, senão, mando prendê-lo.
O motorista do rabecão, embaraçado e gaguejando, disse que, como a estrada de terra era muito sinuosa, esburacada e sacudia muito, resolveu, antes de entrar na cidade, abrir o caixão para ver como estava o corpo e constatou que o pessoal da funerária só tinha vestido o defunto com uma camisa do uniforme, estando nú da cintura para baixo. E completou.
- Rearrumei as flores para esconder o desastre.
O sargento, diante dos fatos, chegou junto à mãe chorosa.
- A Senhora me desculpe mas, estas flores são um símbolo da corporação a que seu filho tão valentemente serviu.
O cortejo fúnebre seguiu a pé até o cemitério. No meio do caminho, o caixão começa a ranger e o sargento, com muito medo, recomenda cautela a seus comandados e vai para o fim do cortejo. As beatas, à frente, começam a cantar: Avê! Avê!Avê Maria. Avê! Avê! Avê Maria... e o ruído, para alívio do sargento, é abafado pelo cântico.
Após as despedidas de praxe, os coveiros colocaram cordas nas alças do caixão para baixá-lo à sepultura. Ao descer, o esquife começou a ranger mais forte e, de repente, o fundo despregou-se, deixando o corpo cair no chão da campa.
Os presentes soltaram um grito de espanto e os coveiros retiraram rapidamente o que sobrou do caixão. Todos os que podiam se acotovelavam em volta da tumba para ver o acontecido e, lá embaixo, jazia o herói. Arranjos de flores desfeitos se esparramavam em volta do corpo e o bilau apontava para todos, acusatório.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Olha só o que a internet faz

DUAS TENTATIVAS E UMA DESISTÊNCIA

- Vanda, como é? Vem logo, Senão o efeito do remédio acaba.
- Pam, pam, pam, pam. Que tal?
- Que é isso, Vanda?
- Você não adora equitação? Hoje quem vai montar sou eu.
- Que ridículo, meu Deus. Você não vai querer subir na cama com estas botas e esporas, Vai?
- Claro, benzinho.
- Pronto, brochei. Pode tirar isso aí. Vê se pode, pelada de chapéu e botas. Que coisa grotesca.
- Grotesco é você se masturbando em frente ao computador. Pensa que não vi? Depois fica nessa brochura toda.
- O seu mal é a imaginação, Vanda. Vê coisas que nunca existiram.
- Tá bom, não vamos brigar de novo. Que tal a gente alugar um daqueles filmezinhos pornô? Lembra um que passou em tudo quanto era cinema? Disseram que era cult. A mulherada toda viu. Fiquei curiosa, mas não tive coragem de assistir.
- Filme pornô e, ainda por cima cult? Vanda, Vanda, olha lá o que você vai aprontar.
No dia seguinte.
- Altamiro, sur-pre-si-nha.
- Quimono, Vanda? Vai me dizer que você quer transar com toda essa roupa e, ainda por cima, com esse rosto todo besuntado de branco?
- Quem foi que disse que nós vamos fazer agora?
- O quê?
- Primeiro nós vamos assistir aquele filme que te falei ontem, depois faço um striptease, à japonesa, bem excitante.
- Filme? Que filme?
- Não se preocupe. Deve ser bem melhor que aquelas porcarias que você vê no computador, só pra se masturbar.
- De novo com essa história, Vanda.
- Venha, senta aqui, vai começar.
- Pera aí. Como você arrumou este dvd?
- Aluguei, oras.
- Alugou? Alugou como?
- Ué, na loja.
- Vai me dizer que... Vanda, como vou aparecer lá, agora?
- Não se preocupe, pedi reservadamente àquela moça e ela foi muito compreensiva.
- Reservadamente, Vanda. Sabe de uma coisa? Preciso acabar uma planilha no micro.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Prosa poética

A SOLIDÃO DA MORTE

Atravesso o corredor branco. Fantasmas voam erráticos.
Corpos encarquilhados em cadeiras de rodas. Carnes, murchas de desejos e sensações, a espera do nada.
Abro uma porta e a vejo. Um fio de vida ligado a um balão. O olhar se desvia do meu, vira o rosto e as pálpebras se fecham para o mundo.
Fecho a porta vagarosamente e saio, quase sem pisar, com a certeza de estar profanando um cemitério de elefantes.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

É de lascar

NO CONGESTIONAMENTO


- Dispensa o pessoal, Almeida. Devo atrasar mais de três horas, não vai dar tempo Uma carreta atravessou na estrada, em seguida houve seis engavetamentos. Dizem que há três mortos e não sei quantos feridos O negócio é deixar pra amanhã. Mas que todos estejam presentes às oito em ponto.Volto pra Belo Horizonte antes do almoço. Tenho uma reunião no fim da tarde. Qualquer coisa me ligue.
- Água, água, coca, quaraná. Tá acabando, gente. Vai demorar.
- Biscoito de polvilho, rosquinha de coco. Uma delícia. Quem vai, quem vai.
- Vamo sartá fora, povo. Peidaram no ônibus.
- Que cara grosso.
- Falei procê descer o morrinho e ir atrás daquelas moitas. Que vergonha
- Pára de falar. Descer aquela ribanceira? Nem morta. E esse ônibus nem banheiro tem.
- Alô, Rose. Não volto amanhã cedo, devo dormir em Monlevade e fazer a reunião pela manhã. Desmarque todos os compromissos.
- Liga a sirene.
- Mas Coronel, não vamos conseguir passar. As pistas e o acostamento estão ocupados. Está tudo um melê só.
- Se vira. Dá dois tiros pro alto que a turma dá um jeito de abrir passagem.
- Ali, olha. Debaixo do caminhão, atrás da roda. Não tem ninguém vendo.
- Não dá.
- Dá sim. Se agacha bem.
- Ai, não tô agüentando mais. Acho que vou fazer embaixo do caminhão mesmo.
- Vai de biscoito de polvilho, Doutor?
- Sim, dá pra entregar a carga amanhã à tarde. Vou desligar, tem uma sirene ligada atrás de mim.
- Que é isso, Dona. O que a senhora tá fazendo aí debaixo? De repente arranco com o caminhão e beleleu.... não , não chore, pode acabar sossegada. Tô indo lá pra frente.
- Mas é verdade, amor. Esses congestionamentos me dão um bruta tesão.
- Você está louca. Tem gente passando direto aí do lado.
- Fecha o vidro, a película não deixa ver aqui dentro. Olha como estou molhadinha.
- Você é doida mesmo. Vem cá.
- Vai de rosquinha, moço? Suco?
- Menino, cuidado. Vai mijar ali no mato.
- Tudo sua culpa, pão duro. Falei pra comprar passagem em ônibus com banheiro.
- Também come demais. Devorar três pastéis e dois copos de garapa de uma vezada. Viu no que deu?
- A lá, o da farda desistiu. Achou que sirene fazia carro levantar vôo.
- Ai, ai ,ai, mais, mais. Não tira, não tira, ai, ai, aiiiii...
- Vamos gente, liberou geral. Vão simbora.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Para quem gosta de passarinho

PARDAIS


Era o São Francisco da praça. Venham a mim os pardais, era o seu lema. Todos os dias ele fazia a caminhada matinal, lançando farelo de milho pros bichos que o acompanhavam em revoada, disputando espaço entre os caminhantes e corredores.
Parece que ele marcava hora com os passarinhos. Eles iam chegando aos poucos, aguardando a ração diária. Cada dia a era maior o número de bicos famintos.
Esse São Francisco estava me incomodando. Pra mim, pardal é rato de asas. Além de agüentar a cachorrada de madame sujando tudo em volta e deixando aquele cheiro, agora tinha que aturar essa raça de piolhentos. Eu adoro a natureza, mas só quando aparece em retratos ou pela tv.
Não sou hipócrita, daqueles que só defendem a Amazônia na mesa de bar, que ficam falando de efeito estufa, reciclagem e coisas gênero, mas adoram queimar gasolina e ir as compras nos shoppings da cidade. Fico doido pra ver essa gente ser levada por um tsunami ou pegar uma virose incurável, pra eles verem o que é a natureza. Sou assim mesmo, adoro a segurança de meu apartamento, tudo sempre muito limpo, higienizado e detetizado três vezes por ano. Planta em casa, só se for de plástico.
Sou muito cioso da minha saúde, vou sempre ao médico, tomo todos os remédios, religiosamente, mas não gosto desse negócio de ginástica, esporte ou algo semelhante. Só comecei a andar na praça, porque levei o maior cartão vermelho na última consulta, era exercício ou enfarte. Gosto de tudo dentro dos horários, de uma boa rotina. Não sei o que seria de mim sem o relógio. Foi dificílimo organizar minha agenda para acomodar mais essa tarefa idiota de dar voltinhas pela praça.
E chega aquele cara pra me tirar do sério. Vê se pode? O pior foi o pesadelo que eu tive com o dito cujo. No início foi até bom, sonhei que estava esganando o amigo dos piolhentos. Mas de repente começou a sair da boca do indivíduo uma montoeira de pardais, e os bichos foram saindo, pousando em tudo quanto era lugar e ocupando todos os espaços. Tinha pardal debaixo da cama, dentro do armário, debaixo do travesseiro, dos lençóis, e foram se imiscuindo pra dentro do meu pijama. Acordei ensopado de suor e tive de tomar três banhos pra tirar a morrinha dos pestilentos.
Depois disto, vi que tinha que tomar uma atitude radical, não havia outro jeito. Mudei meu horário de andar.