EREÇÃO PÓSTUMA
Depois de passar com louvor no concurso para soldado da polícia militar, foi mandado para treinamento na capital. Rapaz alto, bonito, pinta de galã da Globo, não tardou a provocar furor entre as meninas. Em pouco tempo, descobriu que os costumes da cidade grande eram bem diferentes aos de sua pacata Miraí do Norte.
As coisas eram mais simples e diretas: festinhas, barzinhos, bebericos e, sobretudo, muita ação. Ficava intrigado, porque o “ficar com as meninas” ainda não tinha chegado a Miraí. Gostava de comentar que do “ficar” à cama era mais rápido e fácil que comprar fósforos na esquina.
O recruta não perdia tempo. Numa dessas, após rápidas preliminares, já por cima, com os movimentos rítmicos de praxe, a menina sentiu que o galã começou a tremer e pensou:”Mas, já? Que apressadinho!” Em seguida, sentiu-o bem mais pesado, imóvel, sem respiração, rosto emborcado no travesseiro. Fez um movimento ondulatório com as cadeiras querendo continuar a brincadeira. Nada. Fincou, com suavidade, as unhas em suas costas. Nada. Falou baixinho; “vamos amor, terminar?” E nada. Com as duas mãos, tentou levantar os ombros dele e o peso não deixou. Começou a ficar apavorada e a custo conseguiu sair de baixo de namorado. Virou-o com grande dificuldade para tentar reanimá-lo e viu, com espanto, que o bilau do garanhão continuava em posição de sentido, como um dedo em riste, acusatório.
O corpo do soldado foi levado para a medicina legal, como um herói morto em batalha, e todos comentavam o fenômeno do bilau ereto. O médico-legista e o agente funerário optaram, por pura solidariedade entre machos, não tocar em nada do corpo que provocasse um descansar armas. Um rabecão levou o militar para ser enterrado em sua cidade.
No velório, com muito choro e lamento, comentários e piadas masculinas sobre a causa mortis, a mãe resolve trocar as flores que o estavam cobrindo no esquife. O soldado que dirigira o rabecão, trazendo o corpo, se interpôs entre o caixão e a mulher:
- As flores de um militar não podem ser trocadas, por questão de honra.
O sargento que comandava o destacamento da cidade, presenciando o ato, o chama, ríspido:
- Você está louco! Vai lá, pede desculpas à mãe do morto e ajude a trocar as flores!
- Não posso, sargento, senão vai ser uma tragédia!
O sargento, vermelho de raiva, vocifera:
- Explica rapidinho isto de tragédia, senão, mando prendê-lo.
O motorista do rabecão, embaraçado e gaguejando, disse que, como a estrada de terra era muito sinuosa, esburacada e sacudia muito, resolveu, antes de entrar na cidade, abrir o caixão para ver como estava o corpo e constatou que o pessoal da funerária só tinha vestido o defunto com uma camisa do uniforme, estando nú da cintura para baixo. E completou.
- Rearrumei as flores para esconder o desastre.
O sargento, diante dos fatos, chegou junto à mãe chorosa.
- A Senhora me desculpe mas, estas flores são um símbolo da corporação a que seu filho tão valentemente serviu.
O cortejo fúnebre seguiu a pé até o cemitério. No meio do caminho, o caixão começa a ranger e o sargento, com muito medo, recomenda cautela a seus comandados e vai para o fim do cortejo. As beatas, à frente, começam a cantar: Avê! Avê!Avê Maria. Avê! Avê! Avê Maria... e o ruído, para alívio do sargento, é abafado pelo cântico.
Após as despedidas de praxe, os coveiros colocaram cordas nas alças do caixão para baixá-lo à sepultura. Ao descer, o esquife começou a ranger mais forte e, de repente, o fundo despregou-se, deixando o corpo cair no chão da campa.
Os presentes soltaram um grito de espanto e os coveiros retiraram rapidamente o que sobrou do caixão. Todos os que podiam se acotovelavam em volta da tumba para ver o acontecido e, lá embaixo, jazia o herói. Arranjos de flores desfeitos se esparramavam em volta do corpo e o bilau apontava para todos, acusatório.
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário