sexta-feira, 19 de junho de 2009

Um texto do livro para degustação

A SUCURI PROVIDENCIAL
“A mata não está pra cobra – refletiu a sucuri – ,todos os meus manjares desapareceram. Quando penso naqueles veados campeiros, naquelas pacas, me dá água na boca. Até os tenros bezerrinhos sumiram dos pastos. Vou ter que apelar. Vou pra cidade. Não gosto do bicho-homem mas, como dizem que lá sobra essa coisa, o jeito é me mandar.”
Com esta determinação toda, a sucuri se aboletou debaixo da lona da camionete de um fazendeiro e esperou a partida.
A viagem foi longa e cansativa. Bateu fome na coitada. Assim, quando chegaram na garagem do prédio do fazendeiro, ela não pensou duas vezes, almoçou o dito cujo e foi jiboiar na carroceria da camionete.
O desaparecimento do homem foi um mistério para todos e uma solução para a viúva. Estava cansada de ficar no seco durante as invernadas do marido no campo. Logo arrumou consolo.
Entretanto, a sua nova paixão estava apresentando, cada dia mais, os mesmos defeitos do deglutido. Quando quis conhecer a fazenda do morto, ela desconversou, mas, depois de uma noitada de amor, deu a chave da camionete para o amado.
Na despedida, ficou surpresa ao ver a sucuri abraçar o namorado. Ligou o fato ao sumiço do marido, achou providencial o aparecimento da sucuri e subiu pra casa feliz.
Dali para frente, quando achava algum namorado muito chato, uma visita desagradável, um cobrador insistente, os levava para conhecer a cobra.
Certo dia, a comadre do andar de baixo se queixou das ausências do marido. Ela morreu de pena da amiga. Logo o prédio tinha mais um morador na lista dos desaparecidos.
Seguindo a lei geral dos segredos bem guardados, em pouco tempo, todos do prédio faziam uso dos serviços da cobra.
Um dos residentes do edifício, que militava nas hostes da ONG Todos pela Moralidade Nacional, exigiu do síndico uma assembléia urgente dos condôminos. Queria discutir um emprego mais nobre para as habilidades da sucuri.
Na reunião, disse da falta de moral, de ética e da corrupção desenfreada que grassava em Brasília. Todos estavam indignados e achavam que alguma coisa
precisava ser feita.
Na hora de decidirem enviar a cobra para Brasília, todos se calaram e optou-se por fazer uma votação secreta. O resultado foi de dez a um pela permanência da sucuri.
No dia seguinte, a cobra apareceu jiboiando na porta do apartamento do dissidente.

3 comentários:

  1. Rapaz...você poderia vender o argumento desse conto para uma versão de ANACONDA 40. Ela poderia se encarregar de pelo menos 40 ladrões. Daria um roteiro interessantíssimo e penso que a danada poderia faturar até o Oscar. Mas agora falando sério ( se é que é possível depois de ler o conto), gostei muito. Sua verve humorística é excelente. Se os contos seguirem essa linha, não tenho dúvidas de que o livro será um sucesso.

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  2. Antônio,
    Cheguei aqui a convite de Marcos.
    Também gosto de escrever alguns textos, crônicas, sem ser escritora.
    É que depois dos "entas" a gente inventa.
    Um abraço
    Degustei sua anaconda.
    Meu blog: anamineira.blogspot.com (um bom lugar)

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  3. Tô curtindo demais o livro, viu. Sua imaginação é prodigiosa. Depois, comentarei me atendo aos textos.

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